sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Sobre Fernando Pessoa

Falar sobre Fernando Pessoa não é apenas falar do maior poeta de língua portuguesa do século XX, mas é, também, falar de uma personalidade extremamente controvertida (como a de todo gênio) e de uma obra vasta, afinal, Pessoa é vários poetas num só.
Filho de Joaquim de Seabra Pessoa, funcionário público e crítico musical, e de Maria Madalena Pinheiro Nogueira, Fernando Antônio Nogueira Pessôa nasce dia 13 de junho de 1888 na cidade de Lisboa, e sua primeira infância é marcada por acontecimentos que deixam cicatrizes para toda a vida. Com apenas cinco anos de idade, em 1893, Pessoa perde o pai, que morre de tuberculose, e ganha um irmão, Jorge. A morte de Joaquim traz tantas dificuldades financeiras a família que Madalena e seus filhos são obrigados a baixar o nível de vida, passando a viver na casa de Dionísia, a avó louca do poeta.
Sãs as duas primeiras perdas do menino: o pai, a quem era muito apegado, e a casa. No ano seguinte, 1894, morre também Jorge. E, como para que compensar tudo isso, é nesse ano que Fernando Pessoa "encontra" um amigo invisível: o Chevalier de Pas, ou o Cavaleiro do Nada, "por quem escrevia cartas dele a mim mesmo", diz o poeta, na carta de 1935 ao crítico Casais Monteiro.
Em 1895, dois anos após a morte de Joaquim, Madalena se casa com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal na cidade de Durban, uma colônia inglesa na África do Sul, e é para lá que a família se muda no ano seguinte.
Pouco se sabe a respeito da família nesse período africano, a não ser o nascimento dos irmãos Henriqueta Madalena, Madalena (que morre aos três anos) e João, e algumas notícias sobre a escolaridade de Fernando. Em 1896, ele inicia o curso primário na escola de freiras irlandesas da West Street. Três anos depois ingressa na Durban High School. Considerado um aluno excepcional, em 1900 é admitido no terceiro ano do liceu e, antes do final do ano letivo, é promovido ao quarto ano. Faz em três anos o que deveria fazer em cinco anos.
O ano seguinte é um ano de alegria, surpresa e descoberta para o adolescente Pessoa: as férias são em Portugal, e só em setembro de 1902 ele regressa a Durban. Foi nessa época, aos 14 anos, que escreveu seu primeiro poema em português que chegou até nós:


(...)
Quando eu me sento à janela,
P'los vidros que a neve embaça
Julgo ver a imagem dela
Que já não passa... nao passa...


Em 1903, o jovem Fernando Pessoa é admitido na universidade do Cabo, cursa apenas um ano; alguma coisa no poeta fala mais forte, e, nesse período, ele cria várias "personalidades literárias", ou seja, vários poetas fictícios que vão assinar as poesias que "eles próprios" escrevem. Entre os poetas saídos da imaginação de Pessoa nessa época, destacam-se dois: Alexander Search, um adolescente, como o seu criador, que, inclusive, nasceu no dia do seu aniversário, e Charles Robert Anon, também adolescente, mas totalmente oposto ao temperamente de Fernando. De alguma maneira, começava a se delinear aquilo que faria Fernando Pessoa um poeta como nenhum outro no mundo: um poeta que, sendo um, era muitos poetas.
Em 1904, a família aumenta; é a vez do nascimento da irmã Maria Clara. 
Um ano depois, há uma virada na vida do poeta: ele retorna a Portugal, onde passa a viver com a tia-avó Maria e inscreve-se na Faculdade de Letras, mas com a criação poética pulsando em toda a sua intensidade, quase não freqüenta o curso. O ano seguinte, Pessoa mora com a mãe e o padrasto, que estão em férias em Lisboa; mas morre a irmã Maria Clara, a família volta para Durban, e ele vai morar com a avó e com as tias. É então que desiste, definitivamente, do curso de Letras. 
Com a morte da avó, em 1906, Fernando Pessoa recebe uma pequena herança e aplica-a integralmente numa tipografia. Falta-lhe, entretanto, experiência, e o empreendimento logo fracassa. Isso faz com que, em 1908, comece a trabalhar como “correspondente de línguas estrangeiras”, ou seja, encarrega-se da correspondência comercial em inglês e Francês em escritórios de importações e exportações, profissão que, junto com a de tradutor, desempenhará até o fim da vida.
É em 1912 que Fernando Pessoa conhece outro jovem poeta, de quem se torna grande amigo e parceiro na aventura literária: Mario de Sá-Carneiro. É um momento interessante na vida de Pessoa, e, ao contrário do que pensa, ele não estréia na literatura com poesias, mas publicando artigos na revista A Águia, cujo editor e organizador é o também poeta Teixeira de Pascoais. Seus artigos provocam polêmica junto a intelectualidade portuguesa, até porque ele mexe com o grande ícone da nação: Pessoa anuncia a chegada, para Portugal, de um poeta maior do que Luíz de Camões; um supra-Camões, o que faz com que seja imediatamente criticado. Essa também é a época em que ele passa a viver com a tia preferida, Anica.
O ano seguinte é de muita produção. Ligado às ciências ocultas, escreve os primeiros poemas esotéricos; “Epithalamium”, um poema erótico em inglês; “Gládio”, que depois usará na Mensagem, o poema que conta a história de Portugal; e uma peça de teatro de um único ato chamada “O Marinheiro”- diz-se, inclusive, que escreveu a peça em 48 horas. É também nesse ano que publica, na revista A Águia, um texto chamado “Floresta do Alheamento”, que, mais tarde fará parte do Livro do desassossego, uma obra escrita durante toda a vida de criador.
Mas nenhum dia foi igual àquele 8 de março de 1914: o “dia triunfal”. Deixemos que o poeta nos conte: “...foi em 8 de março de 1914 – acerquei-me de uma cômoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, uma espécie de êxtase cuja natureza não consegui definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um titulo, O Guardador de rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... foi o regresso de Fernando Pessoa – Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro. Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconsciente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobrir-lhe o nome, e ajustei – o a si mesmo, porque nesta altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta a de Ricardo Reis, surgiu – me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e a máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode triunfal de Álvaro de Campos – a ode com esse nome e o homem com o nome que tem. Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei isso tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e divergências de critérios, e em tudo isso me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. [...] Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí – lhes as idades e as vidas.” (carta a Casais Monteiro, janeiro de 1935).

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